domingo, 21 de janeiro de 2018

A história do seridoense roqueiro que construiu um castelo no sertão potiguar




Dom Quixote é interpretado por muitos como louco, delirante e cheio de imaginação, mas por trás do personagem há um propósito lúcido do seu criador, Miguel de Cervantes. E esta é a analogia mais próxima que consegui imaginar para retratar o feito de um interiorano potiguar que ergueu um castelo no alto de uma colina rodeado de uma paisagem insólita, sertaneja.
Se Dom Quixote pretendia imitar heróis cavaleiros dos romances que lia para vivenciar suas aventuras, José Ronílson Dantas, 59, também se inspirou na figura de um personagem do cinema para construir seu sonho. E a partir do filme ‘El Cid’, de 1961, um épico dirigido por Anthony Mann e com Charlton Heston e Sophia Loren no elenco, começaria a ser erguido, em 1984, o hoje conhecido Castelo de Bivar.
Ronílson havia passado em teste para a construtora Odebrecht, em 1979. Após anos de trabalho fora de sua Carnaúba dos Dantas, em trabalho com escavação de rochas e mineração, ele volta ao Seridó para construir sua morada. A obra ainda estava no início quando ele assistiu o filme El Cid. E na tela do cinema, a imponência do castelo do cavaleiro Dom Rodrigo Diaz de Bivar mudaria o curso do seu destino.
“Sempre sonhei em cursar arquitetura. Fiz o curso técnico de edificações na ETFRN antes de passar no teste para a Odebrecht. Quando voltei, quis construir minha casa e quando vi esse castelo do filme foi a inspiração para meu sonho arquitetônico que me guiou e me guia até hoje, porque não parei ainda”, conta Ronílson. De fato, o castelo vive em obra. A próxima ideia é construir cômodos subterrâneos, aproveitando a elevação do castelo e o terreno em declive.
O Castelo de Bivar está erguido em uma colina a 310 metros acima do nível do mar. Está distante poucos quilômetros do centro de Carnaúba dos Dantas. De lá dá para ver o Monte do Galo, importante destino religioso do Estado. São aproximadamente 20 cômodos e 56 janelas distribuídos em quatro torres, sendo a mais alta de 21 metros de altura. Ao todo são aproximadamente 1500 metros quadrados de área construída nos sete hectares de terreno.
Ronílson é um personagem por si só. Tem jeitão de motoqueiro roqueiro e é mesmo um apreciador de rock progressivo. O cabelo branco e calvo não impede um rabo de cavalo curto, tipo Paulo Coelho. E ele tem também uma espiritualidade aflorada, assim como o mago de O Alquimista. Diz ter 59 anos na terra, porque a alma é infinita. Inclusive ainda pretende construir seu túmulo no terreno do castelo, onde quer “morrer e ressuscitar” por ali também.
Curioso é que, apesar do nome do cavaleiro ser Dom Rodrigo Diaz Bivar, Ronílson tinha entendido Vivar. Na época não existia internet para conferir a pronúncia ou a escrita correta. E assim foi registrado em cartório: Castelo de Vivar. Só depois o padre Antenor, então dono do Castelo Engady, de Caicó, alertou que era Bivar. “Gastei dinheiro com advogado pra trocar o nome”, relembra aos risos.
E apesar da grandiosidade da obra, não há absolutamente nenhum rabisco, planta ou desenho em papel referente à construção do Castelo. “Tudo veio da mente. Quando está em período de construção, eu paro, olho, penso e informo minha ideia ao pedreiro. Por isso a área construída ainda está indefinida, porque sempre está em obras. Quando pinta um dinheiro, eu invisto aqui”, diz, sem precisar quanto de investimento já foi feito. “Se tivesse calculado acho que já tinha desistido”, brinca.
E assim foi construído e bem construído todo o Castelo de Bivar. Os cômodos amplos foram projetados para uma moradia confortável, com quartos para os nove filhos, salas e ambientes para o lazer. Embora esteja fincado no alto de uma colina, a paisagem e o sol do meio dia queimavam a pestana da equipe de jornalistas da agência de notícias espanhola EFE, naquela tarde de sexta-feira (12 de janeiro). Mas a ventilação no interior do Castelo impressionava.
Outra curiosidade é o banheiro da suíte, em local mais alto: a porta de um armário disfarçado dava acesso a um amplo banheiro com banheira em mármore já construída. Aliás, o Castelo tem todas as condições de moradia. Já possui encanação e ligações hidráulicas e elétricas. Faltam as mobílias. “Construí para morar e ainda vou realizar meu propósito no tempo devido. Eu trabalho com obras e muitas estão paradas, setor de mineração em crise. Então a questão financeira também é determinante”.
Infelizmente para os curiosos o Castelo permanece como um destino turístico particular, apenas para contemplação, miragem. “Quando você abre ao público precisa oferecer estrutura. E não há banheiro para o visitante. Fiz o castelo para morar, mas tomou uma dimensão além desse objetivo. E sei que preciso abrir ao turista. Mas tudo ao seu tempo”, estima Ronílson, que pretende inaugurar o Castelo com uma grande festa aos moldes medievais, “com todos comendo galetos com a mão”.
A revista Terra, da editora Abril, talvez tenha sido a primeira a divulgar o Castelo de Bivar, ainda no século passado. O Globo Repórter fez reportagem em 2000, com o jornalista Luiz Carlos Azenha. Curioso é que o tema da matéria tratava da infidelidade. "Eu tinha uma ruma de mulher e vieram conversar comigo e, claro, mostraram o castelo. Aí ficou conhecido. Depois vieram Record, Bandeirantes".
Em 2006, a equipe de filmagem do cineasta Moacyr Góes passou a solicitar visitações constantes no castelo. E só depois de um ano dessa frequência, solicitaram a locação do espaço para as filmagens do filme ‘O Homem que Desafiou o Diabo’, inspirado no livro As Pelejas de Ojuara, do escritor potiguar Nei Leandro. O Castelo de Bivar figurou, no filme, como a morada da Mãe de Pantanha.
“Inicialmente queriam realizar as filmagens de graça, porque seria divulgação do castelo. Mas um ator global chamado Julio Levir namorava uma menina de Carnaúba, que morava no Rio de Janeiro. Ele me alertou que iriam pedir de graça, mas que tinham dinheiro para pagar. Eu cobrei mil reais ao dia e deu tudo certo, embora muito barato. Foram 15 dias de locação”.
Fonte: Assessoria Papo Cultura

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